terça-feira, 30 de junho de 2009

Rolinha-cascavel - Foto: Rogério Costa


Sinhá do rio - Rogério Costa

Dentro da ave que canta
Ressurge o sonho que voa
Ecoa na branda montanha
Suave no ar teu pio ressoa

Dentro de mim canta a vida
Reaprende a origem do pulsar
Desse fogo brando vai-se viva
Em teu rio, traços fico a riscar

Dentre o peixe que vive no rio
Ressurge à esperança desse nadar
D'agua que dentre esse molhar frio
D'alma que põe teus seios a banhar

Dentro de você desejo o quão saber
Revolta a minha dúvida no pensar
Se é o rio que pode fazer-te viver
Se é tu que de vida fará me matar


quinta-feira, 25 de junho de 2009




Imagens da solidão - Rogério Costa


Amargo que o encobre
- E essa dor de nada ver?
Apenas o voto nada nobre
Apenas um vão de nada ser

Corresponde seu afeto obscuro
O cheiro de torpe nesse frio corpo
- Nada que seja razo é o que procuro!
Talvez o que seja genioso como o corvo.

Calmo... Aqui, tudo em silencio
Nada no ar... Nada naquele sotão
Vácuo... Tudo enfim em silêncio
Antigos copos em cacos ao chão

Apenas dor!
Apenas ar que o falta
Apenas falta de calor
- Humano! Apenas me falta amor.

Assim é a escuridão
Viver como um só
Só, como o própio vão
Só como só a solidão.

Vou-me Embora pra Pasárgada



Manuel Bandeira

No final do ano de 1904, o autor fica sabendo que está tuberculoso, abandona suas atividades e volta para o Rio de Janeiro. Em busca de melhores climas para sua saúde, passa temporadas em diversas cidades: Campanha, Teresópolis, Maranguape, Uruquê, Quixeramobim.

"... - O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.

- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?

- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino."

Em 1910 entra em um concurso de poesia da Academia Brasileira de Letras, que não confere o prêmio. Lê Charles de Guérin e toma conhecimento das rimas toantes que empregaria em Carnaval.

Sob a influência de Apollinaire, Charles Cros e Mac-Fionna Leod, escreve seus primeiros versos livres,em 1912.
A fim de se tratar no Sanatório de Clavadel, na Suíça, embarca em junho de 1913 para a Europa. No mesmo navio viajam Mme. Blank e suas duas filhas. No sanatório conhece Paul Eugène Grindel, que mais tarde adotaria o pseudônimo de Paul Éluard, e Gala, que se casaria com Éluard e depois com Salvador Dali.

Em virtude da eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, volta ao Brasil em outubro. Lê Goethe, Lenau e Heine (no sanatório reaprendera o alemão que havia estudado no ginásio). No Rio de Janeiro, reside na rua Nossa Senhora de Copacabana e na Rua Goulart.


Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

terça-feira, 23 de junho de 2009

"SE" - Prof. Hermógenes

Nascido em 9 de março de 1921, em Natal, Rio Grande do Norte, José Hermógenes de Andrade Filho é considerado o pioneiro em medicina holística no Brasil, com mais de 42 anos de prática e ensino de yoga.
Filósofo, poeta, escritor e terapeuta, o professor Hermógenes costuma dizer que se sente mais jovem hoje, aos 85 anos, do que se sentia aos 35. Doutor em yogaterapia, título concedido pelo World Development Parliament, da Índia.


Se, ao final desta existência,
Alguma ansiedade me restar
E conseguir me perturbar;
Se eu me debater aflito
No conflito, na discórdia...

Se ainda ocultar verdades
Para ocultar-me,
Para ofuscar-me com fantasias por mim criadas...
Se restar abatimento e revolta
Pelo que não consegui
Possuir, fazer, dizer e mesmo ser...

Se eu retiver um pouco mais
Do pouco que é necessário
E persistir indiferente ao grande pranto do mundo...
Se algum ressentimento,

Algum ferimento
Impedir-me do imenso alívio
Que é o irrestritamente perdoar,

E, mais ainda,
Se ainda não souber sinceramente orar
Por quem me agrediu e injustiçou...

Se continuar a mediocremente
Denunciar o cisco no olho do outro
Sem conseguir vencer a treva e a trave
Em meu próprio...

Se seguir protestando
Reclamando, contestando,
Exigindo que o mundo mude
Sem qualquer esforço para mudar eu...

Se, indigente da incondicional alegria interior,
Em queixas, ais e lamúrias,
Persistir e buscar consolo, conforto, simpatia
Para a minha ainda imperiosa angústia...

Se, ainda incapaz
para a beatitude das almas santas,
precisar dos prazeres medíocres que o mundo vende...

Se insistir ainda que o mundo silencie
Para que possa embeber-me de silêncio,
Sem saber realizá-lo em mim...

Se minha fortaleza e segurança
São ainda construídas com os materiais
Grosseiros e frágeis
Que o mundo empresta,
E eu neles ainda acredito...

Se, imprudente e cegamente,
Continuar desejando
Adquirir,
Multiplicar,
E reter
Valores, coisas, pessoas, posições, ideologias,
Na ânsia de ser feliz...

Se, ainda presa do grande embuste,
Insistir e persistir iludido
Com a importância que me dou...

Se, ao fim de meus dias,
Continuar
Sem escutar, sem entender, sem atender,
Sem realizar o Cristo, que,
Dentro de mim,
Eu Sou,
Terei me perdido na multidão abortada
Dos perdulários dos divinos talentos, Os talentos que a Vida
A todos confia,
E serei um fraco a mais,
Um traidor da própria vida,
Da Vida que investe em mim,
Que de mim espera
E que se vê frustrada
Diante de meu fim.

Terra do Tijuco

Meu canto, minha terra
Meu canto de onde vem?
Meu canto vem de minas,
Do Tijuco sem vintém...


Minas canto que posso ser
Mais em mim seu...
Do que seu em você...

Meu sertão da farinha podre
Já esquecida pelo homem
Já adormecida, por sonhar!
Jaz sofrida pelo rubro homem

Sou mineiro da terra farta
do deserto verde, palmeira
e mata, poeira, e estrada.
E da natureza tiro minha raça.

Minas canto que posso ver
mais em mim que em você
que sou eu, você..

Arara no céu, periquito, anú,
Anil no céu, nuvens coloridas...
Todas num tom de azul.
E as Paineiras bem floridas!

Meu conto que te canto é verdade!
De uma terra de historias tristes...
Que do poder, o homem "sacro"
fez homens vermelhos infelizes.

Minas canto de triste por você,
Mais em mim vai renascer
o que já foi o tudo em você.